quinta-feira, 20 de maio de 2010

Eclesiastes 7.13-20 e a sabedoria (popular?)

Como anotei na mensagem anterior, o Eclesiastes é um livro pouquíssimo lido na igreja. E quando lido, o é, em geral, via uma linha hermenêutica que afirma que seu autor constrói um narrador que representa o homem sem Deus para demonstrar aos leitores como é trágica a vida de tal homem. Portanto, o narrador seria uma ficcionalização invertida do escritor histórico.

Sinceramente, essa abordagem não me convence.

Acho que o livro apresenta a crise humana, vivida em intensidade pouco ou nunca vista na literatura bíblica. Seu autor não apenas está em crise, como tem coragem de torná-la pública.

O aspecto dialogal destacado pelo Júlio é um dos itens interessantes do livro. Por exemplo, Jó, em crise, se impacienta com os amigos. Ele quer logo falar com Deus. O pregador parece mais disposto ao diálogo.

Outro dado que me parece trazer a antipatia prática da igreja para com o livro é sua perspectiva. Ele não traz afirmações ortodoxas a respeito de Deus, da salvação, da eternidade. Ele fala desses temas, mas de outro ângulo, o da sabedoria. Nela, as afirmações surgem a partir das experiências e da reflexão. O sábio vê, observa, reflete, e então tira conclusões. Portanto, a porta de entrada para sua fala não é a revelação, pelo menos não a revelação direta, como aquela trazida aos profetas, mas o mundo que cerca o sábio. Então temos um processo que, ao invés de vir de cima para baixo, vai de baixo para cima.

Quanto a isso, a sabedoria adota duas perspectivas. A primeira, a da ordem. As conclusões de um sábio levam-no a afirmar que Deus existe e, principalmente, atua na natureza, nas relações humanas, etc. Em um mundo ordeiro, pela observação pode-se chegar ao conhecimento de Deus. Mas a outra perspectiva é a da desordem. Nela o sábio vê, contempla, reflete, mas ele não consegue identificar processos divinos no mundo. Pelo contrário, ele identifica a desordem, o caos, a corrupção, a depravação, etc. Os textos bíblicos de sabedoria, principalmente Jó e Eclesiastes, se enquadram nesse grupo.

Então, e aí está a dificuldade, quando sábio fala de sua crise, ele fala a partir de sua vivência e como uma denúncia sofredora dentro de um mundo caótico. Temos, então, uma hermenêutica invertida. Suas afirmações indicam o que ele experimenta e, ao mesmo tempo, indicam o que não deveria acontecer.

Bem, posto isso, quero fazer uma provocação. Júlio propôs que em Ec 7 temos o diálogo entre dois sábios, o pregador e o sábio oriental ou o filósofo grego.

Pelas descrições, e pela possível identificação do autor com Salomão, pode-se pensar em um sábio elitista. Mas, e aí vai a provocação, e se a sabedoria que ele utiliza não for a do palácio e sim a da rua? E se, juntamente com sua experiência que o leva à crise, ele apresente uma crítica à sabedoria e à vivência dos poderosos, dos ricos, numa perspectiva sócio-religiosa?

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