quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quem conta a história? O narrador (?) e Ap 12

Lendo com mais vagar Ap 12, fiquei intrigado com a forma narrativa. Bem, do ponto de vista do gênero, temos um relato de visão típico dos textos proféticos. O profeta recebe uma visão e a descreve. Inicialmente parece que isso se dá aqui. Revelação de Jesus Cristo que é entregue mediante um anjo a João (1.1). Ele, em espírito, é comissionado a escrever o que vê (1.10-11). A partir daí ele é levado ao céu onde receberá as visões que compõem o livro (4.1). As cenas são marcadas pela repetição do verbo "ver" (orao - 5.1,2,6,11; 6.1,2,9,12;7.1,etc).

Pensando em termos narrativos, o narrador (aquele que conta a história) se configura em primeira ou terceira pessoa. Este pode ser onisciente, onipresente, intruso ou neutro. Aquele, protagonista ou narrador personagem. Bem, além dessas classificações o mais importante é a função que cada narrador desempenha. O teórico da literatura Franz Stanzel (A Theory of Narrative), afirma que o narrador em terceira pessoa, por não participar da história narrada, se coloca distante dela. Já o narrador em primeira pesssoa, por ser testemunha da história, coloca ênfase no caráter testemunhal de seu relato. Com isso, ele procura gerar maior cumplicidade com os leitores, mediante a autoridade de seu testemunho.

Por isso João utiliza o verbo na primeira pessoa: "vi". Ele é o visionário e o recipiente pelo qual a revelação de Jesus chega à sua igreja.

Pensando nessas categorias em Ap 12, João, no céu, não relata mais sua experiência particular, mas sim uma experiência coletiva. Isso já se dá em 11.19, onde o verbo "ver" é usado na 3a. pessoa do passivo aoristo: "foi visto". A mesma forma verbal aparece em 12.1 e em 12.3, salientando a experiência visionária que se expande à coletividade. Talvez possamos pensar em uma co-narração, tendo João e os cristãos como seus agentes?

Em 13.1 retorna a descrição pessoal de João. Ele volta a dizer: "Vi".

Para mim, permanece a questão: Por que no cp. 12 João abre mão da exclusividade narrativa, tornando coletiva a visão do quadro apresentado?

Um comentário:

  1. Leonel,
    A pergunta é ótima e não vou respondê-la propriamente. Apenas acrescento outro olhar. Do ponto de vista semiótico, a principal diferença entre textos em primeira e terceira pessoas é a relativa ao modo de recepção que o texto demanda. Textos em terceira pessoa provocam um efeito de objetividade, demandando do leitor a aceitação "objetiva" do que é contado, enquanto os textos em primeira pessoa provocam o efeito de subjetividade, mediante o qual a aceitação do que é contado depende da aceitação do enunciador. Neste sentido, a pergunta adicional seria: por que exatamente em Ap 12 o texto passa do efeito de subjetivade para o de objetividade? De que modo essa transição afeta o leitor - de então e de agora?

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