Como tem acontecido em nosso país no decorrer dos anos, após o período de natal e final de ano surgem as chuvas e as tragédias.
Há inúmeros ângulos pelos quais os sofrimentos decorrentes de desmoronamentos, enchentes, destruições e mortes podem ser avaliados. Repetindo o que muitos afirmam a tempos, as instâncias governamentais em vários níveis possuem responsabilidades, assim como as populações que ocupam áreas de risco.
No entanto, o que me incomoda neste momento é pensar sobre a participação cristã em momentos como esses. E pensá-la a partir da proximidade desses acontecimentos com o natal.
A vinda do Filho de Deus ao nosso mundo, encarnado, além da ação divina, envolveu e moveu muitas pessoas. José e Maria, que aceitaram recebê-lo e o acolheram com amor, carinho e proteção, mesmo sob pesados riscos; as variadas pessoas, fossem judeus ou gentios, que o reconheceram como o salvador e o adoraram; aqueles que, mesmo ocultos na história, participaram de seu desenvolvimento desde a infância até a idade adulta; e os discípulos, mesmo ignorantes em muitas questões a respeito do reino de Deus, se constituíram em um grupo de amizade e companheirismo.
De um ponto de vista humano, a partir de sua acolhida e recepção, Jesus respondeu com amor, graça, ensino e ações concretas. De certo modo, houve uma relação de recepção e doação entre Jesus e a humanidade. Podemos pensar que tudo que fez, o fez como decorrência da missão recebida, mas também como evidência e prova de que amava as pessoas, gostava de estar com elas e, mais, era reconhecido por tudo quanto recebeu delas.
É nesse contexto que penso o nosso papel no mundo em momentos de sofrimento. Como Jesus, fomos recebidos por uma família, convivemos com pessoas que nos amaram e amam, fomos cuidados, ensinados e encaminhados na vida. Mais do que isso, o próprio planeta onde vivemos proveu o ambiente necessário para que pudéssemos nos desenvolver.
Como Jesus, penso que temos uma dívida de gratidão para com a humanidade e o universo. E que o amor cristão é, acima de tudo, o reconhecimento de que Jesus Cristo foi sensível o suficiente para se irmanar com aqueles que estavam próximos dele, se alegrando ou chorando com eles. E que esse quadro é um modelo que deve ser assumido por nós, principalmente quando nossos semelhantes sofrem e necessitam de apoio e ações efetivas.
Tenho certeza que muitas comunidades cristãs estão se mobilizando para ajudar aqueles que estão sofrendo em decorrência das chuvas e enchentes. Igrejas devem estar abertas para receber pessoas que perderam bens e teto. Alimentos devem estar sendo disponiblizados para aqueles que não os têm. Roupas esquecidas em armários estão sendo enviadas àqueles que delas precisam para se vestir.
E isso tudo apenas como reconhecimento de que a humanidade tem sido generosa conosco, que a terra onde habitamos tem nos recebido bondosamente. E que a ação cristã nesse momento é uma grande oportunidade para demonstrar a relevância de nossa fé.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Ano Novo e Férias
Caras e caros amigos e amigas deste "blogue". Como vocês já viram, com exceção do Leonel, que não para nunca de trabalhar, o Paulo e eu já estamos um pouco de férias (do blog, pois foi exatamente o acúmulo de atividades burocráticas do fim de ano e de semestre letivo que nos impediu de cumprir nossa prazerosa atividade de blogar biblicamente).
Fica aqui meu desejo a todas e todos vocês que permanentemente se renovem, pois não acredito em "ano novo", apenas em pessoas que se renovam e se deixam renovar por Deus, Pai e Mãe, Irmã, Irmão e Amigo/a, que faz novas todas as coisas.
Fica aqui meu desejo a todas e todos vocês que permanentemente se renovem, pois não acredito em "ano novo", apenas em pessoas que se renovam e se deixam renovar por Deus, Pai e Mãe, Irmã, Irmão e Amigo/a, que faz novas todas as coisas.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Natal!!!
Aproveito a proximidade do natal para deixar uma pequena mensagem.
Em tempos de desesperança...
... Como deixar de crer diante da mensagem natalina?
... Como abandonar a fé, quando o improvável dos improváveis ocorreu?
... Como não amar e crer nas crianças, se o Salvador tornou-se uma delas?
... Como se manter cético se os magos, vindos de lugares distantes, creram?
... Como não ser tocado, se humildes pastores se encheram de alegria e deixaram os campos para adorar o recém-nascido?
... Como olhar para baixo, quando os céus se abriram e anjos desceram para anunciar o nascimento do Salvador?
... Como não amar os familiares, se José e Maria cercaram o recém-nascido de carinho, amor e o livraram de seus inimigos?
... Como ser apenas religioso, se os religiosos se mantiveram indiferentes ao nascimento de Jesus, o Cristo?
... Como não acreditar e lutar pela paz, se a chegada de Jesus aviva a profecia: “a bota com que anda o guerreiro na batalha e as vestes revolvidas em sangue serão queimadas”?
... Como desprezar os idosos, se dois deles, Simeão e Ana, estiveram entre os primeiros a reconhecer a criança nos braços de Maria como o Salvador?
... Como murmurar frente às dificuldades da vida, se o Rei dos Reis repousou sobre uma manjedoura?
... Como desistir, se Deus não virou as costas para nós, mas enviou-nos seu único filho?
... Como, passado o natal, voltar à velha vida, se Jesus é o Emanuel, o Deus eternamente conosco?
Em tempos de desesperança...
... Como deixar de crer diante da mensagem natalina?
... Como abandonar a fé, quando o improvável dos improváveis ocorreu?
... Como não amar e crer nas crianças, se o Salvador tornou-se uma delas?
... Como se manter cético se os magos, vindos de lugares distantes, creram?
... Como não ser tocado, se humildes pastores se encheram de alegria e deixaram os campos para adorar o recém-nascido?
... Como olhar para baixo, quando os céus se abriram e anjos desceram para anunciar o nascimento do Salvador?
... Como não amar os familiares, se José e Maria cercaram o recém-nascido de carinho, amor e o livraram de seus inimigos?
... Como ser apenas religioso, se os religiosos se mantiveram indiferentes ao nascimento de Jesus, o Cristo?
... Como não acreditar e lutar pela paz, se a chegada de Jesus aviva a profecia: “a bota com que anda o guerreiro na batalha e as vestes revolvidas em sangue serão queimadas”?
... Como desprezar os idosos, se dois deles, Simeão e Ana, estiveram entre os primeiros a reconhecer a criança nos braços de Maria como o Salvador?
... Como murmurar frente às dificuldades da vida, se o Rei dos Reis repousou sobre uma manjedoura?
... Como desistir, se Deus não virou as costas para nós, mas enviou-nos seu único filho?
... Como, passado o natal, voltar à velha vida, se Jesus é o Emanuel, o Deus eternamente conosco?
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Filemon, Igreja Primitiva, dinheiro... e nós
Escrevo quase imediatamente após o Júlio para não perder o embalo e as ideias.
Seguindo o raciocínio do Júlio, e acrescentando aquilo que disse anteriormente, é minha vez de perguntar: Por que nos escritos neotestamentários o dízimo é praticamente ausente? Por que, quando se fala em dinheiro, é no contexto de ofertas específicas para fins específicos e não como uma contribuição periódica?
A resposta se encontra, se não na totalidade, pelo menos em grande parte pela estrutura da Igreja Primitiva. Como ela existia a partir da estrutura da casa greco-romana, ela não precisa de quase nada para sua existência. Os pastores/presbíteros viviam de sua profissão. Não havia templo para ser custeado e nem funcionários para serem pagos. Os pobres eram cuidados por suas famílias.
As situações que exigiam ações financeiras específicas eram determinadas missões apostólicas ou missionárias, pobres sem famílias, ou pobres de outras igrejas como a de Jerusalém ajudada pelos crentes gentios. Talvez esqueça alguma coisa, mas nada muito além disso.
Interessante. Como a igreja dos primórdios cresceu mesmo pobre e sem dinheiro. E nós...
Concordo totalmente com o Júlio. E nós, protestantes históricos, não fiquemos apontando o dedo para práticas neopentecostais. Nós vivemos e nos estruturamos em torno do dinheiro.
Uma igreja, para ser organizada, precisa ter recursos, e isso significa, acima de tudo, ter condição para pagar seu pastor, pagar aluguel para ele, manter o templo etc. Observem que nenhum desses tópicos foi central para a Igreja Primitiva.
Gastamos muito do nosso tempo e dinheiro preocupados com reformar/construir/pintar nossos templos.
E o que é pior, muitas igrejas possuem investimentos para tempos piores. Não sei se há nada pior do que isso!!!
Sim, há algo pior do que isso. Uma igreja com dinheiro investido em aplicações convivendo, ao mesmo tempo, com pobres em seu meio que quase não tem dinheiro para comer, para vestir os filhos, para educá-los dignamente, para oferecer-lhes condições mínimas de saúde. Sem falar em lazer.
Parece que os ricos de nossos igrejas assim como seus presbíteros não se preocupam com isso. A preocupação é ver quanto foi arrecado no mês passado. Se a receita aumentou ou não e outras coisas irritantes.
Paro por aqui. O Júlio é o responsável por este desabafo. Mas é difícil viver com um igreja que se secularizou tanto e ao mesmo tempo radicaliza cada vez mais seu discurso conservador.
Que Deus nos ajude!
Seguindo o raciocínio do Júlio, e acrescentando aquilo que disse anteriormente, é minha vez de perguntar: Por que nos escritos neotestamentários o dízimo é praticamente ausente? Por que, quando se fala em dinheiro, é no contexto de ofertas específicas para fins específicos e não como uma contribuição periódica?
A resposta se encontra, se não na totalidade, pelo menos em grande parte pela estrutura da Igreja Primitiva. Como ela existia a partir da estrutura da casa greco-romana, ela não precisa de quase nada para sua existência. Os pastores/presbíteros viviam de sua profissão. Não havia templo para ser custeado e nem funcionários para serem pagos. Os pobres eram cuidados por suas famílias.
As situações que exigiam ações financeiras específicas eram determinadas missões apostólicas ou missionárias, pobres sem famílias, ou pobres de outras igrejas como a de Jerusalém ajudada pelos crentes gentios. Talvez esqueça alguma coisa, mas nada muito além disso.
Interessante. Como a igreja dos primórdios cresceu mesmo pobre e sem dinheiro. E nós...
Concordo totalmente com o Júlio. E nós, protestantes históricos, não fiquemos apontando o dedo para práticas neopentecostais. Nós vivemos e nos estruturamos em torno do dinheiro.
Uma igreja, para ser organizada, precisa ter recursos, e isso significa, acima de tudo, ter condição para pagar seu pastor, pagar aluguel para ele, manter o templo etc. Observem que nenhum desses tópicos foi central para a Igreja Primitiva.
Gastamos muito do nosso tempo e dinheiro preocupados com reformar/construir/pintar nossos templos.
E o que é pior, muitas igrejas possuem investimentos para tempos piores. Não sei se há nada pior do que isso!!!
Sim, há algo pior do que isso. Uma igreja com dinheiro investido em aplicações convivendo, ao mesmo tempo, com pobres em seu meio que quase não tem dinheiro para comer, para vestir os filhos, para educá-los dignamente, para oferecer-lhes condições mínimas de saúde. Sem falar em lazer.
Parece que os ricos de nossos igrejas assim como seus presbíteros não se preocupam com isso. A preocupação é ver quanto foi arrecado no mês passado. Se a receita aumentou ou não e outras coisas irritantes.
Paro por aqui. O Júlio é o responsável por este desabafo. Mas é difícil viver com um igreja que se secularizou tanto e ao mesmo tempo radicaliza cada vez mais seu discurso conservador.
Que Deus nos ajude!
Estruturas e Insucesso Eclesial
O post do Leonel me deu uma deixa para entrar na discussão. Ele afirmou a importância da estrutura familar não-nuclear para o desenvolvimento do cristianismo primitivo, e a ausência de estrutura similar em nossos dias, que seria reponsável pelo insucesso do cristianismo. Não vou discutir com o que o Leonel nos apresentou. Darei um passo a mais na conversa.
Por que igrejas têm fracassado tão redondamente na vivência concreta do Evangelho especialmente nesta primeira década do século XXI? Porque suas estruturas institucionais são cópias descaradas das estruturas excludentes do sistema capitalista. As igrejas se tornaram em postos de arrecadação de fundos - fac-símiles de agências bancárias. Não para a benemerência, mas para a acumulação. Não para a partilha, mas para o lucro. Não para a missão, mas para legitimar a omissão. Os templos não são lugares de comunhão, mas de ajuntamento de invidíduos isolados em si mesmos - todos com os olhos voltados para o poderoso Messias que dirige a coisa que chamamos de culto.
Porque suas estruturas discursivas são arremedos do Evangelho. A boa-nova é tão misturada com a falsidade de Mamom que não se trata mais da mensagem da vida, e sim da mensagem da morte. Esse "evangelho" culpabiliza as vítimas e glorifica os vitimadores. Reduz a fé a uma espécie de obra meritória ou ao esforço sacrificial de dar seu dinheirinho para receber um dinheirão do papai do céu - afinal, não somos todos filhos do rei? Reduz a santidade à moral pequeno-burguesa de ser honesto, trabalhar duro, não fazer mal ao vizinho, não entrar em conflito com ninguém, especialmente com as impessoais estruturas de morte e seus representantes empresariais e pessoais. Reduz a missão à ilusão de "subir na vida" pelo próprio esforço, com Deus como alavanca e consolo em meio ao árduo trabalho de trilhar os caminhos de Mamom, o grande mágico que faz do "dinheiro na mão: solução", escondendo de todos que "dinheiro na mão é vendaval" (Paulinho da Viola "Pecado Capital", 1976).
Por que igrejas têm fracassado tão redondamente na vivência concreta do Evangelho especialmente nesta primeira década do século XXI? Porque suas estruturas institucionais são cópias descaradas das estruturas excludentes do sistema capitalista. As igrejas se tornaram em postos de arrecadação de fundos - fac-símiles de agências bancárias. Não para a benemerência, mas para a acumulação. Não para a partilha, mas para o lucro. Não para a missão, mas para legitimar a omissão. Os templos não são lugares de comunhão, mas de ajuntamento de invidíduos isolados em si mesmos - todos com os olhos voltados para o poderoso Messias que dirige a coisa que chamamos de culto.
Porque suas estruturas discursivas são arremedos do Evangelho. A boa-nova é tão misturada com a falsidade de Mamom que não se trata mais da mensagem da vida, e sim da mensagem da morte. Esse "evangelho" culpabiliza as vítimas e glorifica os vitimadores. Reduz a fé a uma espécie de obra meritória ou ao esforço sacrificial de dar seu dinheirinho para receber um dinheirão do papai do céu - afinal, não somos todos filhos do rei? Reduz a santidade à moral pequeno-burguesa de ser honesto, trabalhar duro, não fazer mal ao vizinho, não entrar em conflito com ninguém, especialmente com as impessoais estruturas de morte e seus representantes empresariais e pessoais. Reduz a missão à ilusão de "subir na vida" pelo próprio esforço, com Deus como alavanca e consolo em meio ao árduo trabalho de trilhar os caminhos de Mamom, o grande mágico que faz do "dinheiro na mão: solução", escondendo de todos que "dinheiro na mão é vendaval" (Paulinho da Viola "Pecado Capital", 1976).
Filemon e a estrutura eclesiológica do cristianismo primitivo
Se no post anterior discorri sobre os aspectos frágeis que envolviam o cristianismo nascente e que podem ser discernidos na pequena carta a Filemon, neste irei focar, por outro lado, um aspecto estrutural positivo desse cristianismo. Isso significa que os primeiros cristãos viviam em uma espécie de dialética existencial, se equilibrando entre elementos sensíveis e frágeis, por um lado, e usufruindo de estruturas estáveis, por outro.
Abordo a organização eclesiológica do cristianismo daqueles tempos. Não em termos de dons, funções, teologia etc. Mas de um ponto de vista mais concreto: a existência e vivência real dos grupos cristãos. Para isso, tomo especificamente o papel de Filemon como exemplo.
Inicialmente, alguns dados: Filemon é um colaborador de Paulo (v. 1); recebe uma igreja em sua casa (v. 2); tem reanimado o coração dos santos (v. 7); deverá hospedar Paulo no futuro e deveria receber com frequência outros pregadores itinerantes (v. 22).
Essas informações permitem concluir com uma boa dose de certeza que ele era o responsável, o líder da igreja doméstica em sua casa. Ele seria, então, o pastor dessa comunidade. Ou, para usar o termo neotestamentário, o presbítero dela.
E aqui abordo a questão estrutural. O cristianismo primitivo herdou a estrutura das famílias grego-romanas e hebraicas. Era costume do apóstolo Paulo se hospedar em casas e geralmente seus membros eram convertidos (At 16.15, 33; 18.8). São comuns também as citações a igrejas domésticas em seus escritos (Rm 16.5 [os "irmãos que se reúnem com eles" também diz respeito às igrejas domésticas - Rm 16.14, 15], Cl 4.15).
É necessário dizer primeiramente que essas famílias eram diferentes de nossa família nuclear organizada a partir de pai-mãe-filhos. Elas eram constituídas pelo páter-família, o chefe e responsável; pela esposa e filhos; por escravos; por parentes; e por amigos. Em geral essa família possuía um comércio que funcionava na própria casa, que era grande e comportava entre 40 a 60 pessoas.
O que me ajuda entender esse tipo de família são a famílias de coronéis do ciclo do café paulista do sec. XIX e início do XX. A estrutura era semelhante. Tanto nesta quanto na família greco-romana os parentes e amigos poderiam participar do negócio da família ou então serem prestadores de serviço em troca de acolhimento e proteção.
Isso significa que esse tipo de família não funcionava unicamente a partir de laços de sangue, mas de relações sociais e econômicas que traziam estabilidade e segurança ao grupo.
O cristianismo, como disse, assumiu essa estrutura e isso foi muito importante. Vejam como as figuras de páter-família e presbítero são praticamente idênticas em 1 Tm 3.1-7 (ali "bispo" é sinônimo de "presbítero", como ocorre em Tt 1.1-7). O governo e liderança familiar são centrais, também o testemunho da sociedade é fundamental. Notem como se dá a relação no v. 5: o presbítero precisa saber governar sua casa para poder governar a igreja de Deus. Por quê? Simplesmente por que a casa se torna a igreja!
Por isso mesmo o relacionamento de Timóteo com os crentes deve ser aquele das relações familiares (1 Tm 5.1-2), e as orientações familiares visam todos: maridos, mulheres, filhos e escravos. Por quê? Por que essas relações se estruturam dentro da família/igreja e elas podem definir o sucesso ou insucesso de ambas.
Como fiz referência anteriormente, quando o páter-famílias se convertia todos os membros da casa o seguiam: esposa, filhos, parentes, amigos e escravos. Toda a estrutura da casa era afetada. No entanto, havia casos raros em que alguém não adotava a religião da casa, ou então, um membro de uma casa não cristã se tornava cristão. Isso gerava tensões, como pode ser visto em 1 Pe 2.18-19; 3.1.
Bem, voltemos a Filemon. Provavelmente ele era o presbítero/pastor da igreja doméstica de sua casa (embora o título não seja usado para ele, possivelmente pelo fato de que Paulo não queria enfatizar esse aspecto). Onésimo, exceção à regra, não aderiu à fé e, o que é pior, fugiu. O que fazer?
A questão não era apenas de relacionamento entre senhor - escravo. Era entre um líder cristão e alguém que estava submetido à estrutura dirigada por ele. A decisão de Filemon, castigar o escravo fugido ou perdoá-lo e recebê-lo como irmão em Cristo afetaria todo o grupo familiar/cristão reunido em sua casa. Afinal, se houvesse outros escravos, como eles reagiriam? Como os outros membros da casa julgariam a atitude de Filemon?
Nesse caso, a estrutura da igreja doméstica era muito importante. Qualquer que fosse a decisão de Filemon, provavelmente ela não seria questionada, nem pelo apóstolo Paulo. Ele possuía o direito espiritual que provinha de uma estrutura já estabelecida e central para toda a sociedade. Nesse caso, posso dizer mesmo que a autoridade espiritual derivava e tinha como suporte a autoridade familiar e social.
Essa estrutura foi responsável pelo desenvolvimento do cristianismo. Ela proveu estruturas para os cristãos, segurança para pregadores e apóstolos itinerantes, e mesmo respeito social diante de outras famílias.
Penso em nós hoje e acho que a inexistência de tal estrutura (e julgo ser impossível resgatá-la) é um dos pontos responsáveis por insucessos da igreja.
Abordo a organização eclesiológica do cristianismo daqueles tempos. Não em termos de dons, funções, teologia etc. Mas de um ponto de vista mais concreto: a existência e vivência real dos grupos cristãos. Para isso, tomo especificamente o papel de Filemon como exemplo.
Inicialmente, alguns dados: Filemon é um colaborador de Paulo (v. 1); recebe uma igreja em sua casa (v. 2); tem reanimado o coração dos santos (v. 7); deverá hospedar Paulo no futuro e deveria receber com frequência outros pregadores itinerantes (v. 22).
Essas informações permitem concluir com uma boa dose de certeza que ele era o responsável, o líder da igreja doméstica em sua casa. Ele seria, então, o pastor dessa comunidade. Ou, para usar o termo neotestamentário, o presbítero dela.
E aqui abordo a questão estrutural. O cristianismo primitivo herdou a estrutura das famílias grego-romanas e hebraicas. Era costume do apóstolo Paulo se hospedar em casas e geralmente seus membros eram convertidos (At 16.15, 33; 18.8). São comuns também as citações a igrejas domésticas em seus escritos (Rm 16.5 [os "irmãos que se reúnem com eles" também diz respeito às igrejas domésticas - Rm 16.14, 15], Cl 4.15).
É necessário dizer primeiramente que essas famílias eram diferentes de nossa família nuclear organizada a partir de pai-mãe-filhos. Elas eram constituídas pelo páter-família, o chefe e responsável; pela esposa e filhos; por escravos; por parentes; e por amigos. Em geral essa família possuía um comércio que funcionava na própria casa, que era grande e comportava entre 40 a 60 pessoas.
O que me ajuda entender esse tipo de família são a famílias de coronéis do ciclo do café paulista do sec. XIX e início do XX. A estrutura era semelhante. Tanto nesta quanto na família greco-romana os parentes e amigos poderiam participar do negócio da família ou então serem prestadores de serviço em troca de acolhimento e proteção.
Isso significa que esse tipo de família não funcionava unicamente a partir de laços de sangue, mas de relações sociais e econômicas que traziam estabilidade e segurança ao grupo.
O cristianismo, como disse, assumiu essa estrutura e isso foi muito importante. Vejam como as figuras de páter-família e presbítero são praticamente idênticas em 1 Tm 3.1-7 (ali "bispo" é sinônimo de "presbítero", como ocorre em Tt 1.1-7). O governo e liderança familiar são centrais, também o testemunho da sociedade é fundamental. Notem como se dá a relação no v. 5: o presbítero precisa saber governar sua casa para poder governar a igreja de Deus. Por quê? Simplesmente por que a casa se torna a igreja!
Por isso mesmo o relacionamento de Timóteo com os crentes deve ser aquele das relações familiares (1 Tm 5.1-2), e as orientações familiares visam todos: maridos, mulheres, filhos e escravos. Por quê? Por que essas relações se estruturam dentro da família/igreja e elas podem definir o sucesso ou insucesso de ambas.
Como fiz referência anteriormente, quando o páter-famílias se convertia todos os membros da casa o seguiam: esposa, filhos, parentes, amigos e escravos. Toda a estrutura da casa era afetada. No entanto, havia casos raros em que alguém não adotava a religião da casa, ou então, um membro de uma casa não cristã se tornava cristão. Isso gerava tensões, como pode ser visto em 1 Pe 2.18-19; 3.1.
Bem, voltemos a Filemon. Provavelmente ele era o presbítero/pastor da igreja doméstica de sua casa (embora o título não seja usado para ele, possivelmente pelo fato de que Paulo não queria enfatizar esse aspecto). Onésimo, exceção à regra, não aderiu à fé e, o que é pior, fugiu. O que fazer?
A questão não era apenas de relacionamento entre senhor - escravo. Era entre um líder cristão e alguém que estava submetido à estrutura dirigada por ele. A decisão de Filemon, castigar o escravo fugido ou perdoá-lo e recebê-lo como irmão em Cristo afetaria todo o grupo familiar/cristão reunido em sua casa. Afinal, se houvesse outros escravos, como eles reagiriam? Como os outros membros da casa julgariam a atitude de Filemon?
Nesse caso, a estrutura da igreja doméstica era muito importante. Qualquer que fosse a decisão de Filemon, provavelmente ela não seria questionada, nem pelo apóstolo Paulo. Ele possuía o direito espiritual que provinha de uma estrutura já estabelecida e central para toda a sociedade. Nesse caso, posso dizer mesmo que a autoridade espiritual derivava e tinha como suporte a autoridade familiar e social.
Essa estrutura foi responsável pelo desenvolvimento do cristianismo. Ela proveu estruturas para os cristãos, segurança para pregadores e apóstolos itinerantes, e mesmo respeito social diante de outras famílias.
Penso em nós hoje e acho que a inexistência de tal estrutura (e julgo ser impossível resgatá-la) é um dos pontos responsáveis por insucessos da igreja.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Filemon e as estruturas frágeis do cristianismo
Como disse na mensagem anterior, a carta a Filemon, por constar como último escrito de Paulo, ocupa igual papel de importância. Afinal, pensariam os responsáveis pelo fechamento do cânon cristão: " - o que teria um texto de cunho pessoal a dizer dentro da Escritura Sagrada?"
Tem, e muito a dizer. Não em uma perspectiva teológica abstrata, ocupada em determinar e descobrir o que passa pela mente de Deus e quais suas ordenanças para os seres humanos. Tem a dizer quando pensamos o cristianismo como um grupo de seguidores de Jesus que vivem historicamente em tensão dialética com a sociedade e consigo mesmo, como indivíduos e como um grupo com identidade própria.
É nesse contexto que vale a pena analisar Filemon. O Júlio seguiu um caminho: a relação pessoal - institucional. Eu tomo outra trilha. A das relações frágeis do cristianismo apresentadas na carta.
E aqui há um dado importante, que é reconhecer como o social é incorporado no literário. Em outras palavras, como os dados de contexto e determinação histórica e social são inseridos e, portanto, manipulados, retrabalhados no texto que lemos, propondo, a partir daí, outra realidade social.
Vejam o termo "prisioneiro". Paulo utiliza-o para referir-se a si mesmo como "prisioneiro de Cristo" (v.1 e 9), embora ele seja, de fato, prisioneiro do império romano. O termo é usado também em relação a Epafras, "prisioneiro comigo" (v. 23). Em que sentido? Prisioneiro em Cristo como Paulo? Ou prisioneiro do império, assim como Paulo? Nesse campo semântico podemos mencionar "escravo" (v. 16), atribuído a Onésimo em sentido concreto.
Mas o "prisioneiro" Paulo pode ter um "servo" (v. 13), referindo-se à gratidão da qual Filemon lhe é devedor, mas que é vivenciada por Onésimo, pelo menos por um tempo. Paulo, prisioneiro, sente "liberdade" para "ordenar" algo a Filemon. Ao mesmo tempo, o "escravo" Onésimo deve ser recebido por seu senhor como "irmão caríssimo" (v. 16).
As referências acima demonstram como os elementos concretos são retrabalhados por Paulo gerando, por vezes, novos sentidos, e às vezes sentidos ambíguos. O que determina essas escolhas? A visão "teológica" que coloca todos em um mesmo nível, como cristãos e, ao mesmo tempo, apresenta escala de valores, sendo Paulo, apóstolo, alguém com autoridade sobre outros cristãos.
Essas relações teológicas, no entanto, não são fixas, determinantes. Elas também assumem aspectos dinâmicos e tensos. O apóstolo espera "obediência" de Filemon ao receber novamente Onésimo. Mas ele "espera". Não pode exigir. Filemon ainda detém o poder supremo sobre seu escravo a partir das leis romanas. Cabe a ele decidir se abrirá mão de seu direito ou não. Mesmo o apelo a Filemon para que lembre que deve serviço de gratidão a Paulo é apenas um "apelo", sem força de ordenança.
Portanto, a carta releva que o cristianismo opera a partir dos elementos contextuais em que vive, sejam eles concretos ou simbólicos. Sobre ou ao lado deles, constrói uma visão própria de mundo que, para existir e funcionar, "depende" da adesão dos seguidores. Por isso mesmo, o cristianismo se constrói a partir de "estruturas frágeis" que não podem ser negadas.
Isso é muito importante em tempos em que o denominacionalismo, com suas doutrinas, definições e cargos tem se tornado mais importante do que o cristianismo; em tempos em que profetas, apóstolos e sei lá mais o quê tem se dado o direito de dirigir vidas de pessoas e determinar o que devem fazer ou não. Tudo isso é uma negação do caráter frágil do caminho de Jesus em que somos chamados a seguir.
Por isso mesmo é necessário fé, tolerância, humildade e amor. De todos para com todos. Quando essas características cristãs são abandonadas, surge a sombra negra e tenebrosa das instituições religiosas a oprimirem os cristãos e a sociedade.
Tem, e muito a dizer. Não em uma perspectiva teológica abstrata, ocupada em determinar e descobrir o que passa pela mente de Deus e quais suas ordenanças para os seres humanos. Tem a dizer quando pensamos o cristianismo como um grupo de seguidores de Jesus que vivem historicamente em tensão dialética com a sociedade e consigo mesmo, como indivíduos e como um grupo com identidade própria.
É nesse contexto que vale a pena analisar Filemon. O Júlio seguiu um caminho: a relação pessoal - institucional. Eu tomo outra trilha. A das relações frágeis do cristianismo apresentadas na carta.
E aqui há um dado importante, que é reconhecer como o social é incorporado no literário. Em outras palavras, como os dados de contexto e determinação histórica e social são inseridos e, portanto, manipulados, retrabalhados no texto que lemos, propondo, a partir daí, outra realidade social.
Vejam o termo "prisioneiro". Paulo utiliza-o para referir-se a si mesmo como "prisioneiro de Cristo" (v.1 e 9), embora ele seja, de fato, prisioneiro do império romano. O termo é usado também em relação a Epafras, "prisioneiro comigo" (v. 23). Em que sentido? Prisioneiro em Cristo como Paulo? Ou prisioneiro do império, assim como Paulo? Nesse campo semântico podemos mencionar "escravo" (v. 16), atribuído a Onésimo em sentido concreto.
Mas o "prisioneiro" Paulo pode ter um "servo" (v. 13), referindo-se à gratidão da qual Filemon lhe é devedor, mas que é vivenciada por Onésimo, pelo menos por um tempo. Paulo, prisioneiro, sente "liberdade" para "ordenar" algo a Filemon. Ao mesmo tempo, o "escravo" Onésimo deve ser recebido por seu senhor como "irmão caríssimo" (v. 16).
As referências acima demonstram como os elementos concretos são retrabalhados por Paulo gerando, por vezes, novos sentidos, e às vezes sentidos ambíguos. O que determina essas escolhas? A visão "teológica" que coloca todos em um mesmo nível, como cristãos e, ao mesmo tempo, apresenta escala de valores, sendo Paulo, apóstolo, alguém com autoridade sobre outros cristãos.
Essas relações teológicas, no entanto, não são fixas, determinantes. Elas também assumem aspectos dinâmicos e tensos. O apóstolo espera "obediência" de Filemon ao receber novamente Onésimo. Mas ele "espera". Não pode exigir. Filemon ainda detém o poder supremo sobre seu escravo a partir das leis romanas. Cabe a ele decidir se abrirá mão de seu direito ou não. Mesmo o apelo a Filemon para que lembre que deve serviço de gratidão a Paulo é apenas um "apelo", sem força de ordenança.
Portanto, a carta releva que o cristianismo opera a partir dos elementos contextuais em que vive, sejam eles concretos ou simbólicos. Sobre ou ao lado deles, constrói uma visão própria de mundo que, para existir e funcionar, "depende" da adesão dos seguidores. Por isso mesmo, o cristianismo se constrói a partir de "estruturas frágeis" que não podem ser negadas.
Isso é muito importante em tempos em que o denominacionalismo, com suas doutrinas, definições e cargos tem se tornado mais importante do que o cristianismo; em tempos em que profetas, apóstolos e sei lá mais o quê tem se dado o direito de dirigir vidas de pessoas e determinar o que devem fazer ou não. Tudo isso é uma negação do caráter frágil do caminho de Jesus em que somos chamados a seguir.
Por isso mesmo é necessário fé, tolerância, humildade e amor. De todos para com todos. Quando essas características cristãs são abandonadas, surge a sombra negra e tenebrosa das instituições religiosas a oprimirem os cristãos e a sociedade.
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