domingo, 16 de maio de 2010

Exorcizando a exegese da Linda e Grande Mulher

Ulrich Luz escreveu um comentário "épico e aclamado" (segundo a Amazon!) do Evangelho de Mateus (Das Evangelium nach Matthäus, em quatro volumes, o primeiro publicado em 1985 e o último em 2002 pela Zürich/Neukirchener Verlag na prestigiosa série EKK: Evangelisch-Katolischer Kommentar). Ele começa sua análise da perícope com a descrição das duas tendências interpretativas na história da exegese: a histórico-salvífica e a parenética. Ao final da análise, declara que ambas as tendências distorceram o significado original do texto (apesar de o terem entendido parcialmente). Para ele, o sentido original do texto é a afirmação da "fé" da mulher siro-fenícia: "A fé consiste na total desistência de tudo, menos da confiança em Jesus. [...] A confiança incondicional no Senhor Filho de Davi inclui a experiência concreta da cura". Esse sentido original é reinterpretado pela comunidade mateana que oferece, então, dois sentidos ao texto: o primeiro é fiel ao sentido da palavra de Jesus: é preciso fé para enfrentar, com oração, as situações adversas. O segundo é missionário: a comunidade mateana se vê legitimada em pregar o evangelho aos gentios (isto supõe que a tradição entendera que Jesus só pregou e só agiu em benefício de Israel). Todas as conclusões, é claro, fundamentadas em ampla argumentação filológica, literária, histórica e teológica (não precisamos deixar de reconhecer os valores da pesquisa histórico-crítica!)

Bem. Argumentação à parte, ao terminar de ler o comentário de Luz à perícope só consegui concluir o seguinte: é preciso curar a exegese! E não é que chegou, uns dias depois, o post do Paulo, dando um exemplo de como exorcizar a interpretação? É preciso encharcar a pesquisa exegética de bom humor. Só boas gargalhads expulsam os soturnos demônios que atormentam a humanidade. Luz escreve doze páginas sobre o episódio da linda e grande mulher (imagino quantos meses de pesquisa...) e, enfim, conclui: o texto valoriza a fé em Jesus - quem tem fé recebe bênção. Ora, qualquer leitor leigo, especialmente se for pentecostal, sabe disso.

Haja exorcismo! Um demônio mal expulso volta e traz mais sete ... A exegese fez a mulher desaparecer sob o manto sagrado da fé. Nada de sabedoria, nada de persistência, nada da coragem da mulher em enfrentar Jesus e vencê-lo no debate. Quer saber, acho que descobri porque Jesus foi para a região de Tiro e Sidon (um grande debate exegético histórico crítico e gramatical) - ele errou o caminho. Inda bem que ele errou, senão jamais conheceríamos a mulher que venceu Jesus.

4 comentários:

  1. Olá Prof. Zabatiero,

    Quando leio alguns exegetas acabo tendo as mesmas impressões. Muita sofisticação, passos complexos e pagina e mais páginas para chegar a conclusões que poderiam ser alcançadas por qualquer não especialista em “exegese-histórico-crítico-dono-da-verdade”... rsrrsr.

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  2. Ah, não sejamos tão cruéis com Ulrich Luz, ele tentou. Na verdade nos ajudou bastante, pois agora sabemos que a aplicação dos passos do método histórico-crítico não nos ajudarão muito nesta perícope...

    E concordo que a proposta apenas esboçada pelo Paulo Nogueira é um caminho novo que promete resultados.

    Que bom que os exegetas das gerações anteriores não conseguiram nos convencer de que o texto já foi interpretado e compreendido!

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  3. Anderson, crueldade não é mesmo uma boa atitude exegética, mas só posso responder ao seu comentário finamente irônico citando Caetano: "sejamos imperialistas"!

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  4. Kenner,
    Há um longo tempo ... já perdido nas brumas do esquecimento ... Rubem Alves (ele deveria estar de mau humor) escreveu um livro sobre Filosofia da Ciência (não sei por que não o reeditam...). Em resumo, ele afirmava que a ciência é apenas o senso comum com melhores ferramentas para trabalhar - seu eu tenho olhos, o cientista tem telescópios, microscópios ...

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