terça-feira, 24 de maio de 2011

Gálatas – Introdução 2

Continuo o post anterior com trechos extraídos do verbete “Galatians, Epistle to the”, do Anchor Bible Dictionary (v. 2, p. 872-875). Reafirmo o que disse, que tais informações devem ser recebidas como um pontapé inicial para as discussões, e não como fatos inquestionáveis.

A oposição anti-paulina

De grande importância é o que o apóstolo diz a respeito de seus oponentes, cuja agitação ele remonta à Conferência de Jerusalém (2.4). Segundo o apóstolo, a crise no presente é causada por intrusos que quase conseguiram persuadir os os gálatas de que sua salvação dependia da aceitação da Torá e da circuncisão (1.6-7; 5.1-12; 6.12-13).

A questão a respeito de quem eram tais pessoas é ainda uma matéria controvertida. A visão tradicional é apresentada no Prólogo Marcionita, que identifica os oponentes como “falsos apóstolos” que tinham voltado à Torá e à circuncisão (Harnack, 1924: 127-128; 37-38). Chamados Judaítas ou Judaizantes (Gl 2.14; Inácio Mag. 10.3), eles eram vistos como cristãos judeus que erroneamente prescreviam a Torá e a circuncisão para todos os cristãos. A redescoberta e reconstrução do cristianismo judaico por historiadores dos séculos XIX e XX, contudo, trouxe à luz um quadro mais complexo (cf. Lüdemann 1983b para a história da pesquisa e bibliografia). O quadro é consequência de uma série de hipóteses. Lütgert (1919) afirma que Paulo lutou em dois fronts, contra judaítas observantes da lei e contra entusiastas libertinos (“pneumáticos”); a evidência para o segundo grupo, contudo, vem principalmente de 1 Coríntios. Schmithals (para bibliografia, cf. Betz Galatians Hermeneia 7, n. 46; Schmithals 1983a: 27-58; 1983b: 111-113) identifica os oponentes como cristãos judeus gnósticos que por razões mágicas estavam interessados em rituais judaicos mas não na Torá como um todo. Outros pesquisadores optam por outras combinações sincréticas entre elementos cristãos, judaicos, gentílicos e gnósticos. Gálatas, entretanto, não apresenta evidências de gnosticismo, e não devemos pressupô-los a partir de outras cartas paulinas ou de fontes posteriores.

No presente, há um consenso crescente de que os oponentes de Paulo eram missionários cristãos judeus que se opunham à missão paulina. Para eles, a Igreja Cristã era uma extensão da religião judaica, de modo que a união à Igreja demandava a consequente conversão ao judaísmo, a observância da Torá e a submissão à circuncisão. Jewett (1970-71: 198-212) apontou a conexão desse grupo com o Judaísmo Palestiniense, tanto cristão como não-cristão. Um questão posterior é se Tiago (2.12) estava, de fato, por trás dos agitadores (cf. Lüdemann 1983a: 64-66). Betz (Galatians Hermeneia, 5-9) os vê em conexão com o início da história das igrejas da Galácia: após uma fase inicial de entusiasmo espiritual, os gálatas enfrentaram problemas crescentes com “a carne”, até o momento em que os anti-paulinistas os impressionaram com a segurança cúltica e moral proveniente da Torá.

2 comentários:

  1. Olá,

    A pergunta que me inquieta em Gl é: que Lei está em jogo? Poderia ser o livro de Jubileus, tratado como uma espécie de segunda Lei, inclusive entregue por anjos, com traços apocalípticos? Seria, desta forma, uma disputa entre grupos apocalípticos nos judaísmos antigos, entre os quais o movimento conhecido como cristianismo seria um? Desta forma, disputas de revelação: apocalipse paulino (Gl 1,11.16) x apocalipse da Lei/Jubileus (Gl 3,19)?

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  2. Olá Kenner,

    Não me parece que a Lei em Gl possa ser definida de modo tão restrito. Parece-me mais viável pensar na Lei como a "identidade" do Judaísmo "oficial" e não tanto como uma das várias formas possíveis da Lei no Judaísmo "vivido". Não se trata de um "texto", mas de um "modo de viver" a fé judaica...

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