Valeu Leonel, pelo comentário/pergunta. Em primeiro lugar, concordo com você no tocante ao fato de que a interpretação "comum" da nova aliança em Hebreus é muito simplista e reduz Jr 31 a uma espécie de precursor do individualismo conversionista. Mas deixo isso pra outros discutirem ...
Vamos à questão metodológica. Na teoria semiótica greimasiana costuma-se distinguir entre intertextualidade (a relação entre textos, quando um texto cita, alude a, ou é estilizado a partir de outro ou outros textos) e interdiscursividade (quando um texto, em seu nível discursivo, cita ou alude a outro ou outros discursos). Nesse sentido, toda relação intertextual é também interdiscursiva, mas nem toda relação interdiscursiva é intertextual - ou seja, um texto pode citar um determinado discurso (tema, idéia) da justiça, da fé, de Deus (etc.), mesmo sem citar ou aludir a textos que servem como expressão desse discurso.
As relações intertextuais ou interdiscursivas podem, como você mencionou, ser de natureza contratual (acordo) ou polêmica (desacordo), seja parcial ou integralmente, mas não se trata de uma questão apenas de influência, e, sim, da própria constituição do texto/discurso. Neste caso, a semiótica se apropria de um conceito da lingüística enunciativa francesa, o da heterogeneidade constitutiva do discurso - que afirma que todo texto/discurso é constituído pela apropriação de outros textos/discursos, embora essa apropriação possa ser ocultada pelo novo texto.
Agora, voltando a Jeremias e Hebreus, nem sempre o contexto sócio-teológico (discurso) de um texto é incorporado pelo texto novo - ou seja, um texto pode citar outro sem se dar conta da amplitude de sua significação. O grau da contribuição do texto anterior para o novo deve sempre ser avaliado caso a caso. Por quê? Porque os textos são expressões de discursos (definições sociais de temas/valores) e circulam socialmente apensos a esses discursos, mas não presos a eles. Tentando exemplificar: posso citar contratualmente um texto do discurso neoliberal sem abrir mão da relaçao polêmica com o discurso neoliberal. Em certo sentido, todos os discursos inovadores são trabalho sobre discursos anteriores em relação aos quais o grau de polemicidade é suficientemente intenso para que se reconheça um novo discurso e não uma continuação do antigo discurso - é o caso do Novo Testamento, por exemplo. (O texto de Foucault, A Ordem do Discurso, oferece uma interessante descrição desse processo, embora desde outra perspectiva teórica.)
Enfim, minhas leituras de Hebreus sugerem que a epístola aos Hebreus não só cita o texto de Jeremias, mas se apropria de seu discurso, ou seja, Hebreus também se posiciona contra a institucionalização oficial da fé em seu tempo, assim como Jeremias o fizera no dele. Uma "vantagem" de Hebreus é que a sociedade helenística já experimentava um grau mais intenso de individuação, de modo que a proposta de Hebreus encontraria bem menos resistência social-prática do que a de Jeremias, posto que em sua sociedade a individuação não era um processo avançado, mas iniciante. Que o discurso jeremiânico não foi "bem sucendido" socialmente se pode depreender do fato de que o Judaísmo pós-Jeremias optou por se institucionalizar a partir da mediação sacerdotal e não a partir da aliança pessoal.
Ufa! Ajudei ou compliquei???
sexta-feira, 16 de julho de 2010
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