sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ainda o que vê e os que veem

Cito o comentário do Júlio ao meu último post sobre a questão narrativa em Ap 12 para retomar o tema:

"A pergunta é ótima e não vou respondê-la propriamente. Apenas acrescento outro olhar. Do ponto de vista semiótico, a principal diferença entre textos em primeira e terceira pessoas é a relativa ao modo de recepção que o texto demanda. Textos em terceira pessoa provocam um efeito de objetividade, demandando do leitor a aceitação "objetiva" do que é contado, enquanto os textos em primeira pessoa provocam o efeito de subjetividade, mediante o qual a aceitação do que é contado depende da aceitação do enunciador. Neste sentido, a pergunta adicional seria: por que exatamente em Ap 12 o texto passa do efeito de subjetivade para o de objetividade? De que modo essa transição afeta o leitor - de então e de agora?"

Concordo com o Júlio. Acho que estamos próximos ou até dizendo o mesmo a partir de aportes teóricos diferentes.

Quando argumento que o narrador personagem, em primeira pessoa, apela para seu "testemunho" junto aos leitores a respeito de algo, isso é o mesmo que dizer que ele opera com a subjetividade e que a aceitação do que diz dependerá de seu status, como enunciador, junto aos leitores. Ao mesmo tempo, quando tenho um narrador em terceira pessoa, fora da história, ele possui mais elementos e estratégias para dar ao leitor a impressão de objetividade.

Mas, então, volto ao Ap 12. O uso da primeira pessoa do verbo "ver" é expressão do caráter pessoal de João como vidente, que é alterado no texto que estamos discutindo. Por quê? Coloquei a pergunta se ele não estaria abrindo a visão, que é apenas sua, para outros. E, nesse caso, os leitores (aproveitando a dica do Júlio) perdem a prioridade do acesso às informações. Uma pequena explicação. Em termos narrativos, a relação entre leitor e personagem pode ser construída de diversas formas pelo narrador. Uma delas é quando o personagem sabe mais do que o leitor, caso típico de Jesus Cristo. Outra é quando ambos possuem o mesmo conhecimento. E a última é quando o leitor detém um conhecimento maior do que o personagem. É o caso do Apocalipse e de textos visionários. O vidente tem um acesso especial às visões e as transmite aos leitores. Os demais personagens, como os habitantes da terra, no Apocalipse por exemplo, são desprovidos de tais informações.

Mas em Ap 12 não. Pelo menos é o que parece. Por isso há uma quebra de modelo de revelação. Mais gente, além de João, e de nós, leitores, tem acesso à visão.

Minha hipótese é que a visão é aberta para os cristãos que moram na terra a fim de tomem conhecimento do que os espera em breve, a partir do cp. 13. Afinal, aquele que foi expulso do céu e desce à terra é o "acusador dos irmãos" (12.10). Esse aspecto fica marcado também pela quebra de padrão narrativo. A narrativa tradicional apresenta os pronomes "ele/eles" (narrador em 3. pessoa) ou o "eu" (narrador em 1a. pessoa). A quebra se caracteriza pelo uso do pronome da segunda pessoa plural: "vós", que propõe um diálogo direto entre os que falam no céu e os que estão na terra (v. 12). Outra pista se encontra no verbo no tempo presente referente aos cristãos na terra, que indica uma mudança da forma narrativa usual, o passado. Eles são os que "guardam (presente) os mandamentos de Deus e têm (presente) o testemunho de Jesus" (v. 17). A visão é compartilhada com eles para que se preparem para enfrentar a vinda do dragão à terra.

Será que podemos ver desse modo?

Um comentário:

  1. Leonel,
    Concordo com sua descrição, mas gostaria de acrescentar um fator: a visão se torna pública por que ela compromete os ouvintes/leitores a participar do combate celestial que desceu à terra. Não se trata de, apenas, tomar conhecimento, mas principalmente de tomar posição em relação ao conflito apresentado pelo texto.
    Conseqüentemente, no cap. 12 João traz os ouvintes/leitores ao centro da revelação, sob a ótica da demanda ética. Nas visões "subjetivas", o ouvinte/leitor não é implicado eticamente, mas epistemicamente. Nesta visão "pública" a dimensão ética assume primazia sobre a epistêmica.
    Que vc acha?

    ResponderExcluir