Apresento nesta mensagem uma proposta de estrutura narrativa para Mt 15.21-28. Ela toma como base elementos que compõem o enredo, como Exposição, Tensão, Resolução, Desfecho. Para maiores informações, sugiro a leitura do capítulo 4. O enredo (p. 55-74), do livro Para ler as narrativas bíblicas: iniciação à análise narrativa, de Daniel Marguerat e Yvan Bourquin, publicado pela Loyola neste ano.
O desenvolvimento do enredo faz uso de dados já analisados em mensagens anteriores.
Exposição
v. 21-22a.
Na exposição o narrador apresenta os elementos que comporão a história a ser contada. São eles: tempo, cenário e personagens.
Não há indicação temporal na exposição. Ela aparecerá apenas no Desfecho, com a expressão: "desde aquele momento [...]" (v. 28).
O cenário é indicado pela expressão: "lados de Tiro e Sidom", ou a "região de Tiro e Sidom", podendo indicar a região que se estende a leste dessas cidades litorâneas. Jesus, portanto, não estaria nas cidades, mas no entorno delas, em um espaço rural.
Os personagens são Jesus (é assim que o narrador o nomeia) e a mulher, apenas identificada pela região que habita: "cananeia", mas com conotações ideológicas/teológicas.
Tensão
v. 22b-26.
Toda história pressupõe a presença de um conflito, um problema, uma tensão a ser resolvida. É a Tensão que estrutura a narrativa. Sem ela, não há o que contar. Portanto, depois da indicação dos dados que interagirão na história mediante a Exposição, o narrador acelara a narrativa apresentando uma situação de tensão.
Aqui ela se apresenta no clamor da mulher (v. 22). Afinal, o pedido da cananeia gera variadas reações.
Uma primeira tensão, implícita, pode ser observada entre Jesus e a mulher (Jesus x a mulher). Seu silêncio a deixa sem resposta. Esse quadro é intensificado por outra tensão, a dos discípulos x a mulher, visto que se opõem a ela ao aconselharem Jesus a mandá-la embora (v. 23). A terceira tensão surge quando Jesus, ao responder aos discípulos (e não à mulher) que fora enviado somente "às ovelhas perdidas da casa de Israel" (v. 24), manifesta explicitamente sua rejeição ao pedido recebido. Por fim, uma última tensão se manifesta quando Jesus resolve dialogar com a cananeia propondo uma historinha a respeito da inviabilidade de dar o pão dos filhos aos cachorrinhos.
Resolução
v. 27-28a.
Se a Tensão é o pivô central da narrativa, o Desfecho é seu ponto alto, onde as pontas que foram deixadas soltas na Tensão são ligadas.
Como vimos em mensagem anterior, a mulher assume a co-narração da história e propõe que os cachorrinhos se alimentam das migalhas que caem da mesa (de onde estão excluídos, ou seja, de onde "ela" está excluída). Jesus aceita sua argumentação, que traz implícita a ideia de que se os filhos comem da mesa, sua filha também pode comer, destacando a grandeza de sua fé. Dessa forma, ela resolve as tensões criadas por Jesus.
É digno de nota que a tensão entre os discípulos e a mulher permanece sem resolução.
Desfecho
v. 28b.
Neste item a narrativa sofre uma desaceleração, e os efeitos da resolução da Tensão são indicados. Nesta história, é o fato da filha da mulher ser curada "naquele momento". Vale a pena observar esse dado, visto que todo o texto transcorre de forma a apresentar uma tensão temporal (implícita). A pressa da mulher x a lentidão de Jesus. Mas, ao final, ele também acelera sua ação ao curar imediatamente a menina.
O exercício acima se desenvolveu em uma perspectiva sincrônica, apenas para mostrar como um texto narrativo possui articulações internas que lhe dão sentido. É óbvio que elementos diacrônicos provindos da história, sociologia etc, podem aprofundar a compreensão do texto. Mas isso fica para outro momento.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
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