Na mensagem anterior, entre outras questões sobre Romanos, escrevi:
"Gostaria apenas de introduzir a discussão. Uma primeira questão é que Romanos trabalha de modo mais enfático o "justo" do que a "justificação", visto que o primeiro termo propõe um aspecto relacional, enquanto o segundo se inclina para um aspecto situacional".
Pretendo contextualizar e justificar a afirmativa. Em nossa teologia, o conceito de justificação está intimamente atrelado ao de lei, principalmente em Romanos. Dessa forma, em uma interpretação que toma como contexto uma cena de julgamento na qual o ser humano pecador está diante de um juiz justo(Deus), ele é justificado pela morte e ressurreição de Jesus Cristo. Esse ato é o aspecto legal no qual a justificação está circunstanciada.
Não nego necessariamente esse aspecto, mas o relativizo. Primeiro, por não sabermos exatamente se Paulo tinha em mente (e isso nunca saberemos) o tribunal romano. Depois, pelo fato de que corremos o risco de atribuir ao texto a compreensão moderna de lei, justiça, etc.
Um outro dado a ser considerado, e esse é histórico, provindo da Reforma, é que a justificação, nos moldes reformados, é tomada como um ato de Deus que nos considera justos, sendo que, de fato, não o somos. Claro que tal construção está em oposição aos aspectos soteriológicos da teologia católica romana.
Parece-me que esse aspecto está presente em Romanos, mas não é o mais importante. A ênfase no justo recebe destaque, como está indicado em Rm 1.16-17, e também pelas questões apontadas pelo Júlio na discussão sobre Habacuque.
Um ponto importante a ser considerado, e isso já é proposto a muito tempo (em termos mais recentes, sugiro a leitura do livro de James Dunn. "A teologia do apóstolo Paulo", da Paulus, onde ele constrói a teologia paulina a partir da carta aos Romanos), é que com bastante certeza o contexto no qual Paulo vai buscar o conceito de justo/justiça é o Antigo Testamento. Nele, tais termos estão vinculados à relação com Deus mediante a aliança. Segundo a aliança, quem é o justo? Não é primeiramente quem faz o certo, cumpre a lei, mas aquele que aceita relacionar-se com Deus. Por isso mesmo, a ira de Deus (a partir de 1.18) se manifesta do céu contra os homens que têm rejeitado relacionar-se com ele. Obviamente as exigências e leis estão presentes, mas como elementos que demonstram na prática uma vida vivida em aliança/compromisso com Deus.
Se aceitarmos tal proposição, veremos que o objetivo de Paulo em Romanos é discutir quem, de fato, é o justo, e como é possível viver tal vida.
Paro por aqui. Pretendo conversar um pouco sobre Rm 4 no próximo post.
sábado, 29 de maio de 2010
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Kharis kai eirene
ResponderExcluirUma breve leitura a respeito da justiça no Antigo Testamento revela que o termo procede de “tsedeq”, cujo sentido primário é “ser retilíneo”, “ser reto”, “retidão”; e, “mishpāt”, traduzido por “justiça” e “juízo” (cf. 2 Cr 12.6; Ec 12.14; Sl 1.5; Sl 11.7). Os dois termos descrevem tanto o caráter e a justiça divina quanto à fidelidade de Deus em sua Aliança para com os homens (Dt 32.4; Sl 31.1; 45.7; 119.137,144; Pv 16.33; Is 30.18). O Novo Testamento emprega a palavra “dikaiosynē” para designar os termos “justiça”, “retidão”, “justo”, “reto” e “justificação”. O tema da Justiça de Deus inclui uma série de conceitos que abrangem: aprovar o que é bom em detrimento do que é mal (Êx 34.7; Ec 12.4; Hb 1.9); condenar o ímpio e justificar o justo (2 Cr 6.23); à fidelidade do Senhor em seus atos (Ne 9.3; Is 49.7; 2 Ts 3.3); à ira de Deus (Sl 7.11; Na 1.2,3; Mq 7.8-10); a imparcialidade do juízo divino (2 Cr 19.7; Na 1.3); aos seus mandamentos (Mq 6.8) e, a relação entre justiça e salvação (Sl 98.2; Is 45.21;51.5-8; 56.1). A Bíblia afirma que a justiça e o juízo são à base do governo sempiterno de Deus (Sl 89.14; Hb 1.8). São esses, portanto, os fundamentos pelos quais os politeístas e monoteístas serão julgados (Rm 1.18-32; 2.17-29). O primeiro grupo é os sem lei, enquanto o segundo, aqueles a quem a lei foi dada, isto é, pagãos e judeus (Rm 2.12-29).