Mudando de texto, mas não de testamento – Jr 31,29-35
O enfoque semiótico também se ocupa das questões sócio-culturais. Do ponto de vista da metodologia e teoria semióticas o exame “sociológico” deriva da análise da narratividade do percurso gerativo do sentido, que pode estar explicitada ou ocultada nos textos. Na análise da narratividade, uma das questões fundamentais é a detecção do objeto-valor do texto, posto que este é o conceito que explica a discursivização das lutas sociais.
Em Jr 31,29-35 podemos detectar como objeto-valor mais importante o acesso a Deus. A idéia da nova aliança tem a ver, neste aspecto, com o conflito social entre o monopólio sacerdotal do acesso a Deus e a universalização desse acesso mediante a nova aliança com YHWH.
O conflito se manifesta no texto jeremiânico nas seguintes maneiras: (1) a “revogação” da norma convencional e conservadora de que os filhos pagam pelos pecados dos pais, transferindo a responsabilidade moral da estrutura familiar patriarcal para o indivíduo; (2) a “revogação” do escrito (torá) da aliança mediante sua internalização no coração e mente dos indivíduos que entram em aliança com YHWH; e (3) a “revogação” do sacrifício como meio de perdão dos pecados, mediante o perdão direto de YHWH.
A nova aliança de Jeremias, então, aponta sociologicamente para: (a) uma estrutura social pós-convencional, baseada em indivíduos e não mais em famílias, algo ao estilo da modernidade ocidental, o que coloca a relação entre o crente e YHWH no âmbito pessoal e não institucional; e (b) o fim do monopólio sacerdotal sobre a instrução (torá) e o perdão dos pecados, reforçando a pessoalidade da relação com YHWH, que não precisa da mediação institucional (Templo+Sacerdócio) para ocorrer.
A primeira parte da proposta não se concretizou (senão a partir da modernidade ocidental), na medida em que a sociedade israelita permaneceu fortemente institucionalizada e, após o exílio, o monopólio sacerdotal da torá e do perdão se reafirmou no Judaísmo então nascente – monopólio depois transferido para a interpretação da Torá pelo rabinato. A segunda parte da proposta tem se concretizado na forma da resistência contra o institucionalismo religioso, tanto no Judaísmo antigo e contemporâneo, quanto no Cristianismo, quanto em outras religiões institucionalizadas em redor da monopolização do sagrado.
Se sairmos da sociologia e formos para a teologia, Jr 31,29ss é uma das bases judaico-proféticas do debate “Lei x Graça”, mostrando que o cerne da questão não está nos conteúdos normativos, nem no formato da experiência religiosa, mas na universalidade do acesso a Deus, desimpedido institucionalmente. Em outras palavras, “lei x graça” é outro nome para o conflito “poder x serviço”; “hierarquia x carisma”; etc.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
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