sábado, 5 de junho de 2010

Fidelidade do Messias: a base da libertação

Os especialistas em exegese paulina têm discutido há algum tempo uma questão que me parece fundamental para a compreensão da açao de Deus como Libertador. Essa questão, porém, tem sido colocada em segunda plana por causa da protestantização da interpretação de Paulo (que também os exegetas católicos praticam). Vejam o texto que serve de base para o questionamento, na versão ARA: "justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção". Em negrito o xis da questão: as traduções e comentaristas em geral, aqui e em textos similares na carta aos gálatas, traduzem a expressão dia pistews Iesou Xristou como genitivo objetivo - "fé em" e não como genitivo subjetivo "fidelidade de", até mesmo desconsiderando a redundância que deriva dessa - a meu ver - má tradução: "fé em Cristo para todos os que crêem" - mesma redundância em Gl 2:16 "sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado": "temos crido ... justificados pela fé em Cristo".

Se deixarmos o dogma de lado, a tradução mais simples e adequada do texto, segundo as regras gramaticais e semânticas, será ""justiça de Deus mediante a fidelidade de Jesus, o Messias, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção" & "sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fidelidade do Messias Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fidelidade do Messias e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado". O contraponto fica bem claro - Paulo sustenta que a base da libertação é a fidelidade do Messias a Deus, cumprindo sua missão como humano, ao invés da obediência dos escravos à vontade (lei) de Deus. Se não entendemos assim os textos, caímos no antropocentrismo que é uma praga no protestantismo, que reduz a graça a uma espécie de ato mágico de Deus que nos considera inocentes, mesmo que sejamos culpados.

Não! "Um morreu por todos", esse um é o Messias que foi fiel a Deus, "logo, todos morreram". A fidelidade do Messias nos livrou da necessidade de agradar a Deus para alcançar a liberdade assim como nos livrou da culpa e da carne - "quem está morto está livre da Lei (da culpa, da carne, do diabo, etc.)". O caminho paulino para a libertação é o caminho da morte solidária, que, por sua vez, é o fim do caminho da vida fiel e solidária. O problema é que preferimos ficar vivos, a fim de garantir nossa salvação...

2 comentários:

  1. Olá Júlio!

    Outra vez, sua postagem é eficaz. Se entendi bem, o texto, quando bem traduzido, não espera do leitor fidelidade ou um tipo especial de fé, mas coloca sobre o Messias toda a ação libertadora. Mesmo assim, pergunto se na concepção paulina essa justificação só é oferecida aos que crêem, conforme lemos acima: "para todos e sobre todos os que crêem..."?

    Particularmente, adoraria destacar a outra parte, que diz "... porque não há distinção...", mas estamos discutindo o pensamento de Paulo, e não nossas próprias crenças.

    Obrigado por mais essa aula.

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  2. O que o texto espera, a meu ver, é que o seu leitor se solidarize com o Messias e reconheça que a justiça diante de Deus não é resultado da religiosidade pessoal, do esforço próprio, ou do mérito prório (aqui a tradição foi muito bem...).
    Essa solidarização só é possível mediante a fé-fidelidade, o assumir a caminhada no mesmo caminho do Messias. Ou seja, se uma pessoa não segue o caminho do Messias, não entra no âmbito da justiça de Deus. O universalismo paulino não era de cunho salvífico, mas político.
    Quanto à "distinção". O foco do texto é que não há distinção entre judeus e gentios - a humanidade não está dividida em duas classes, mas é una. Toda a humanidade é, diante de Deus, pecadora, ou seja, infiel ao caminho do Messias.
    Gostemos ou não, a teologia paulina afirma que nem todos os seres humanos receberão o dom da justiça, porque nem todos os seres humanos se tornarão solidários com o Messias. De outra forma, a graça divina se transforma em "barata" (brinco com o termo de Bonhoeffer).

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