sábado, 1 de maio de 2010

Aquecendo os olhares

Antes de entrar na discussão imagética propriamente dita, algumas informações teóricas. Para a semiótica greimasiana, o que o Paulo começou a propor para discussão é chamado de intersemioticidade ou transsemioticidade. Duas semióticas distintas trabalham o mesmo tema. A semiótica textual e a semiótica visual. Texto e Imagem são dois planos de expressão distintos, os quais, neste caso, manifestam o "mesmo" tema e, ao fazê-lo, produzem distintas significações. Assim, se para entender um texto, precisamos saber analisar a materialidade linguageira do mesmo, para entender as pinturas com que Paulo nos presentou, precisamos saber analisar a materialidade pictórica (forma, fundo, cor, iluminação, sombra, traço, tipo de tinta, tipo de tela, espaço, lugar de exposição, etc.). Materialidade essa que, para nós, vem sob outro suporte, o digital que interfere na materialidade pictórica, ao retirar o quadro do lugar "físico" e colocá-lo em um lugar "virtual". Enfim, para a semiótica, o texto de Apocalipse e os quadros são planos de expressão figurativos. A figuratividade é primária na produção do sentido (mesmo no caso de textos), sendo revestida tematicamente como uma espécie de secundidade (para usar um termo que vem de Peirce), o que exige que a interpretação das figuras não seja feita "figura a figura", mas mediante a percepção dos "percursos figurativos", pois é nesse arranjo, nessa comunalidade de certas figuras umas com as outras, que se constrói o tema.

Um detalhe me chamou imediatamente a atenção nessas telas de diferentes autores, lugares e épocas. As imagens do dragão-serpente sempre o representam com nós ou espirais na cauda-corpo. Essa era uma forma comum na representação de serpentes e dragões na Europa, também na Antigüidade Tardia, não só na Idade Média. Formas espirais podem representar o cosmos, uma espécie de simbiose entre a figura do dragão-serpente e o universo; podem representar uma harmonia com a natureza, pela semelhança com raízes de grandes e antigas árvoras que, fora do solo, desenham formas similares. Seria essa espiralação, no conjunto das formas de cada quadro, um modo de representar a malignidade do mundo, em contraste com representações "benignas" de dragões e serpentes, como figuras de sabedoria e cura?

O segundo detalhe que me chamou a atenção foi a representação do menino. Não parece ser um recém-nascido, devido à proporção entre o seu tamanho e o tamanho da mulher (mas não conheço suficientemente as proporções nas pinturas medievais...), o que poderia sugerir uma valorização do Jesus menino mas não do Jesus bebê. Ademais, não se esconde o pênis do guri, o que representa a inocência do mesmo - se ele representa Jesus, representa um ser sem pecado, de modo que não é necessário "cobrir suas vergonhas", o que se faz com todas as demais figuras, ou vestidas, ou com os órgãos sexuais invisíveis.

Olhando para o conjunto das imagens, fico com a impressão de uma forte tematização da luta entre o Bem e o Mal, ora mais dramática, ora menos, mas sempre uma conflitividade, um dualismo ético que, possivelmente, seja expressão também de um dualismo ontológico. Fiquei, também, com a impressão de que as nossas leituras mais comuns do Apocalipse são muito mais devedoras desse universo "medieval" do que do universo discursivo judaico-cristão primitivo. Será?

3 comentários:

  1. Caros editores, Zabatiero, Leonel e Paulo Nogueira.
    Peroratio dedicou um post à divulgação de seu blog ((2010/354) "A Bíblia sob três olhares" - um novo blog a três na área) e estabeleceu-lhe um link para acesso direto. Quero parabenizar a iniciativa, e desejo sucesso à empreitada.
    Osvaldo Luiz Ribeiro

    ResponderExcluir
  2. Osvaldo,

    Queremos agradecer a iniciativa. Muito obrigado pela divulgação e pela participação!

    ResponderExcluir