Bem, eis-me novamente dialogando com as proposições do Júlio!
Achei muito inteligente e refinado o que o Júlio postou, mesmo que de modo resumido. Por tudo quanto se tem dito aqui sobre exegese/hermenêutica, fica evidente a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e renovada para a prática interpretativa de textos bíblicos.
Gostaria de contribuir com uma observação suscinta e que é contemplada pela exegese tradicional, mas a partir de outro ângulo.
Todo aluno de teologia aprende a reconhecer os "gêneros ou formas literárias" presentes em textos bíblicos. Desde os macro-gêneros, como evangelho, cartas, apocalipse etc, até os micro: paradigmas/apotegmas (Dibelius/Bultmann), relatos de milagres, parábolas etc.
Tal metodologia procura, a partir dos gêneros, definir a origem oral de tais textos e a vivência da comunidade cristã que os praticou. Por exemplo, um texto de controvérsia teria surgido com o objetivo de fornecer elementos aos cristãos primitivos para discutirem com o judaísmo do período. Nesse sentido, ao lê-lo, eu procuro reconstruir sociologicamente a estrutura de vida desses cristãos.
Mas o que se esquece, e aqui a teoria literária pode nos ajudar, é que um gênero literário pressupõe função e gera expectativa nos leitores. Principalmente nas sociedades antigas, das quais provêm os textos bíblicos, e que possuíam gêneros literários bem definidos. E essa função e expectativa, ao meu ver, não são essencialmente retroativas, ou seja, não olham apenas para trás, mas, principalmente, para a frente. Para todos os leitores que terão acesso ao texto.
O crítico literário Antonio Candido, no livro "Literatura e sociedade", trabalha esse aspecto ao dizer que uma obra sofre influência da sociedade (a exegese tradicional enfatiza esse aspecto) e, ao mesmo tempo, influencia a sociedade. O caminho para detectar essa influência é sua articulação interna. Portanto, não basta, como a exegese sociológica por exemplo propõe, identificar os agentes, os condicionantes sociais etc, para interpretar um texto. É necessário que eu os veja a serviço da organização interna da obra para que, a partir desse ponto, eu compreenda como ela se comunica.
Posto de modo prático, penso no livro de Jonas. Se não compreendermos que as articulações do livro são construídas em forma de paródia, em termos cômicos, dificilmente entenderemos sua mensagem e deixaremos de apreender o tipo de impacto que ela exerceu junto aos leitores e ainda quer exercer. A estrutura estética está a serviço da mensagem. Por exemplo, a decisão de Jonas de fugir de Deus, e a consequência de seu ato, relatados no início do livro, são ilustrados mediante uma estratégia de descrição geográfica. Ao desobedecer à ordem divina, Jonas foge e "desce" a Jope, "embarca" (entra) em um navio (1.3); diante da tempestade, "desce" ao porão e dorme (1.5); ele é "jogado" ao mar (1.15) e, por fim, vai parar no "ventre" do peixe v(1.17), "no profundo, no coração dos mares" (2.3). Em outras palavras, o escritor apresenta de forma pictórica a fuga de Jonas e a consequência de seu desejo de estar longe de Deus - ele afunda cada vez mais!
Finalizando, é necessário que o leitor esteja atento e seja sensível às formas em que um texto se apresenta. Elas indicarão o caminho de sua interpretação.
terça-feira, 20 de abril de 2010
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Essa distinção que você faz entre o lugar social e a função do gênero, a partir da perspectiva literária, pode ser descrita em perspectiva semiótica. A busca das configurações textuais do gênero e sua origem em um determinado grupo social pertence à dimensão do Plano da Expressão. A busca das funções e expectativas significativas pertence à dimensão do Plano de Conteúdo, na medida em que, além de outros aspectos, envolve o interpretante (peirceano).
ResponderExcluirUm bom texto para começar a aprofundar este tipo de estudo, em perspectiva semiótica, é: DISCINI, Norma. O Estilo nos Textos. História em quadrinhos, mídia, literatura. São Paulo: Contexto, 2004.
Muito legal.
ResponderExcluirCada vez mais acho que abordagens multidisciplinares são "o caminho".
Acho que valeria a pena aplicar os conceitos de modo prático na análise de um texto.
Quanto a mim, muito do que a chamada exegese sociológica fala fui compreender com colocações do Antonio Candido, crítico literário e... sociólogo.