O vídeo postado pelo Leonel, bem humoradamente, trata de um tema que Roger Chartier (entre outros) tem discutido tecnicamente em várias de suas obras sobre a história da leitura. Mas não é sobre isso que desejo comentar, e sim sobre algo similar que me veio à mente após assistir ao vídeo.
Na teoria textual usada nas exegeses pré-lingüísticas, não se faz uma distinção crucial para todas as ciências da linguagem no século XX - a distinção entre significante e significado (para usar os termos de Saussure) ou de plano de expressão e plano de conteúdo(para usar os termos de Hjelmslev), que amplia a fórmula simples de Saussure. Plano de expressão é o equivalente à manifestação concreta do significado - pode ser um texto, fala, pintura, vídeo, escultura, desenho, etc. Plano de conteúdo é equivalente ao significado, abstrato, possibilitado pela manifestação. Daí que um mesmo Plano de Conteúdo possa ser manifestado por diferentes Planos de Expressão.
Ambos podem ser subdivididos em forma e substância - ou seja, o Plano de Expressão não é mera forma (significante), mas é forma que manifesta conteúdo; e o Plano de Conteúdo não é mero conteúdo, mas conteúdo organizado formalmente. Decorre daí que ambos são produzidos por regras próprias e demandam análises distintas. Na semiótica, por exemplo, se distingüe entre texto (expressão) e discurso (conteúdo), que demandam modelos distintos de produção, circulação e intepretação.
Uma das implicações disto para a leitura de textos é que o texto, entendido como Plano de Expressão, pode ser analisado em sua forma e contribuição para o conteúdo, mesmo sem se levar em conta que tal análise ainda não lida com o seu significado (plano de conteúdo). Isto ocorre com várias metodologias exegéticas que, basicamente, se reduzem à análise do Plano de Expressão, não se dando conta de que a expressão material do texto ainda não oferece o seu significado "completo", carecendo da análise do Plano de Conteúdo. E daí? (1) Daí que só se encontra uma parte do sentido, aquela parte oferecida pela "substância" da expressão. Como há um sincretismo entre texto linguageiro e discurso, fica-se com a impressão que se chegou ao "todo" do sentido (2) Muitas aporias sobre "fontes" prévias à forma final do texto poderiam ser evitadas levando-se em consideração esta distinção, pois, por exemplo, contradições na expressão não necessariamente representam contradições no conteúdo, assim como falta de coesão textual não implica em falta de coesão discursiva. Lembra-se de que incoerências e falta de coesão textual são a principal "evidência" buscada para se encontrar as fontes de um texto?
PS: Charles Peirce também ampliou a fórmula binária simples de Saussure, acrescentando o "interpretante", mostrando que o significado sempre depende da interpretação que se faz do signo e que a interpretação é co-produtora do significado. Em terminologia da lingüística da enunciação (adotada por vários semioticistas), (a) quem escreve um texto sempre realiza um trabalho de interpretação de outros textos, que estarão presentes no novo texto, de modo que todo texto é plural; (b) quem lê um texto co-enuncia - ou, co-produz sentido com quem escreve o texto. Na leitura popular latino-americana José Severino Croatto foi quem mais se aproximou desta forma de entender o processo de interpretação, em seu livrinho Hermenêutica Bíblica que merece ser reeditado urgentemente.
terça-feira, 20 de abril de 2010
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Kharis kai eirene
ResponderExcluirPrezados, "Zabatiero Nogueira", parabéns pela iniciativa. Sou pesquisador autodidata da semiologia, pois entendo que o futuro da hermenêutica bíblica está ligado ao desenvolvimento da semiótica. Adquiri, recentemente, a obra de Umberto Eco, Semiologia e Filosofia da Linguagem, editado pelo Instituto Piaget. Nessa obra o autor também discute as questões apresentadas por vocês.
Quanto à referência ao dr. Joaquim Croatto, extraordinário biblicista, a quem muito admiro, não concordo com a posição de Croatto a respeito da eisegese. A simbiose entre a teoria do triângulo semiótico peirciano (expressão,significado,referente) - bem como a ação do interpretante a partir do representâmen - com a eisegese bíblica, na opinião deste estudante(me corrija se estiver equivocado, por favor) não faz juz à hermenêutica histórica, principalmente, por "deixar" o texto sem uma identidade ou referêncial que justifique a interpretação.
Preciso ir.....